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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Como eu deveria escolher meu cirurgião?


"Escolhemos nossos médicos mais 
baseados em indicação ou fama do que em 
boas evidências empíricas"


Após receber um diagnóstico ou decidir realizar uma cirurgia, todos os pacientes compartilham uma dúvida comum e fazem a si mesmos uma simples pergunta:

Como escolher meu cirurgião?

É uma pergunta direta, cuja resposta não é tão simples quanto parece e até médicos, que possuem vivência e relação profissional entre as especialidades, ficam confusos diante tomada de decisão quando eles próprios são os pacientes.

Ano passado, Aggarwal e outros autores publicaram um estudo na European Urology, onde analisaram dados administrativos de saúde do sistema inglês de 19.256 pacientes operados por câncer de próstata entre 2010 e 2014. Eles demonstraram que pelo menos 30% dos pacientes saíam de suas localidade (onde tinham hospitais e médicos capacitados em prostatectomia radical) para realizarem a operação em centros nacionais de referência. Foi significativamente mais provável que pacientes procurassem centros com cirurgia robótica (OR= 1,42; p<0,001) e urologistas conhecidos na mídia (OR= 2,18; p<0,001) mesmo que para isso tivessem de viajar longas distâncias compatíveis com percurso de até 12 horas. Proporcionalmente, é como se no Brasil o indivíduo saísse de Ibipitanga-Ba e viajasse para São Paulo, ignorando centros regionais como Vitória da Conquista, Guanambi, Caetité e Barreiras ou centros estaduais como Salvador (e isso acontece na realidade! J).

Estamos em tempos nos quais o empirismo científico é tido como uma espécie de navalha de Occam. As melhores decisões médicas são aquelas tomadas com base em evidências de qualidade, ensaios clínicos ou grandes coortes. Mas, aparentemente, esse não é o caso quando o próprio médico ou o hospital são os objetos de escolha.

Tradicionalmente, a reputação do cirurgião e/ou do centro de tratamento que lhe dá suporte são os fatores de maior peso quando um paciente tem a oportunidade de escolher o seu médico. Escolhemos nossos médicos mais baseados em indicação ou fama do que em boas evidências empíricas. Isso parece claro quando lemos o trabalho de Ziemba et al, 2017 publicado no JAMA.

Em pesquisa de opinião com quase 25.000 pessoas nos EUA, mais de 50% dos entrevistados revelaram que escolhem seus cirurgiões levando em conta se atendem seu convênio ou não. Justificativas como “indicação do médico da unidade básica”, “reputação do cirurgião” e “reputação do hospital” ficaram em segundo, terceiro e quarto lugar com 44%, 38% e 28%, respectivamente. O questionário permitia múltiplas respostas. Apenas cerca de 7% responderam que decidem após pesquisar sobre o médico ou a unidade de saúde em sites, por exemplo.

Parece claro que a escolha do cirurgião é baseada em qualquer coisa, menos em evidência empírica. Isso pode não parecer um problema para muitos, mas se considerarmos que o marketing pessoal e a autopromoção estão hoje cada dia mais presentes no meio médico, o problema se torna maior.

Convido o caro leitor para uma breve digressão:

Muitos são os fatores que parecem influenciar os pacientes e familiares na escolha do cirurgião. Para ser didático, vou agrupá-los em quatro:

Fatores relacionados ao cirurgião;
Fatores relacionados ao hospital ou clínica;
Fatores relacionados ao custo;
Fatores relacionados ao paciente/familiares;

  • Fatores relacionados ao cirurgião

Não há dúvida de que a reputação do cirurgião é um dos principais fatores (se não o principal) que levam o paciente a procura-lo, como demonstraram os estudos. O tempo de profissão, a fama, a atuação acadêmica e a propaganda boca-a-boca positiva são os atributos relacionados.

Entretanto, não podemos esquecer que, principalmente nos dias de hoje, as manobras de marketing profissional e a excessiva auto-valorização nas mídias sociais têm influenciado bastante a percepção e a tomada de decisão por parte do paciente. Será que aparecer na mídia é realmente uma boa evidência de qualidade nos cuidados e de bons resultados?

  • Fatores relacionados ao hospital ou clínica

O estudo de Aggarwal nos dá uma boa idéia do que acontece em sistemas nos quais o paciente tem a liberdade de escolher onde operar. É importante deixar claro que me refiro a sistemas públicos onde os mais variados níveis de atenção costumam funcionar.

No caso da prostatectomia radical, 33,5% dos pacientes driblam o hospital mais próximo de sua casa para procurar um centro nacional. Cerca de 12% deixam para trás três hospitais habilitados mais pertos para acessarem um grande centro e 6,5% ignoram até 5 hospitais.

Os fatores relacionados a essa diáspora de doentes são principalmente a busca e a crença em novas tecnologias (presença de centros com robô) e a reputação das unidades com a presença de cirurgiões famosos.

O principal determinante de escolha do hospital/clínica foi sua reputação na mídia (OR= 2,18; IC95% 2,05-2,31) à frente de características como ser uma unidade universitária (OR= 1,09; IC95% 1,05-1,15) ou possuir robôs (OR= 1,42; IC95% 1,33-1,52).

Aparentemente, a propaganda continua sendo a alma do negócio! J

  • Custo

Apresar de intuitivo, os estudos não mostram dados diretos de custo. No entanto, podemos ter uma noção de sua importância quando pouco mais de 50% dos entrevistados no estudo de Ziemba consideraram a aceitação do convênio como o primeiro critério de avaliação na tomada de decisão para escolha de seu urologista.

  • Fatores relacionados ao paciente/familiares

Independente dos fatores já citados, os pacientes possuem inerentemente crenças e preferências. A idade do paciente parece ser um fator importante. Aggarwal et al., demonstraram que paciente mais jovens buscam centros mais famosos e mais distantes de suas residências. O jovem pode estar mais antenado e pode ser mais propício a buscar locais com maior recurso tecnológico. Aparentemente o paciente mais jovem é também o mais influenciado pelo marketing.

A crença de que a tecnologia está sempre à frente (como o robô na prostatectomia radical) e o apelo do marketing associado a essas inovações, quase sempre ofuscam a realidade das evidências relacionadas. A tomada de decisão fica mais a cargo da propaganda e do boca-boca do que propriamente da evidência empírica de vantagem. Basta olharmos para o comparativo entre prostatectomia radical robótica e aberta. Possuem os mesmos desfechos, porém com custos diametralmente opostos, e, ainda assim, a influência do marketing pode induzir o paciente a acreditar que optar pela robótica é evidentemente melhor.

Então, qual evidência usar?


Hoje, lidamos com pacientes cada vez mais exigentes e que procuram conciliar custo com qualidade de cuidado. Essa é a tendência de toda atividade inserida no mercado e não é diferente na medicina.

Estamos passando rapidamente daquilo que outrora era uma relação primariamente humana entre médico e paciente para uma relação primariamente profissional de prestação de serviço. Propaganda, apelo de marketing, aparição em radio e TV, redes sociais... Estamos cada vez mais regulados pelo concorrido mercado e pelo marketing. Não estamos acostumados a lidar com isso. Bom, talvez sim, se você for um cirurgião plástico! J

A ideia de oferecer ao paciente uma ferramenta confiável para escolha de seu médico pode ser nossa principal arma contra charlatões e mercantilizadores da relação médico-paciente. Ao adicionar transparência na equação de tomada de decisão, através da publicação de indicadores de qualidade de assistência de cada profissional e de cada hospital, o paciente poderá ter uma melhor avaliação do custo-efetividade por hospital e por cirurgião, e poderá guiar melhor sua tomada de decisão.

Acredito que essa transparência na relação médico-paciente seja o ponto final da medicina baseada em evidência. Um caminho inexorável, o melhor a seguir! Nosso modelo científico assim determina.

Mas, nem tudo são flores!

Não sabemos ao certo como medir de forma justa os indicadores de qualidade de assistência e como relatar as taxas de complicações operatórias. Não há dúvida de que ferramentas estatísticas com correção para fatores confundidores como idade do paciente, IMC, comorbidades e gravidade da doença operada deverão ser rigorosamente aplicadas.

Alguns sites internacionais não oficiais, como o ProPublica, disponibilizam informações de cirurgiões de várias especialidades e de alguns hospitais para o público geral. Esses sites utilizam metodologias questionáveis e são, talvez, até piores do que nada! L

Existem projetos bem elaborados e comprometidos com a responsabilidade ética que disponibilizam ao público dados empíricos corrigidos para possíveis confundidores. Na urologia temos o AQUA (AUA Quality Registry) dos EUA, o projeto do TheBritish Association of Urological Surgeons e o National Prostate Cancer Audit, também do Reino Unido, mas voltado apenas para dados de prostatectomia radical. Infelizmente, até onde sei, ainda não temos ferramentas como essas no Brasil.

Veja abaixo a interface dos dados de um cirurgião no The British Association of Urological Surgeons. *Domínio Público




Com ferramentas desse tipo, pacientes poderão comparar os resultados e complicações de cirurgiões e hospitais com médias regionais, nacionais e internacionais, aumentando a racionalidade e a evidência de sua tomada de decisão.


Epílogo...


A transparência sempre foi importante no ambiente médico. Ela nos coloca como pessoas tratando de pessoas, põe nossos pés no chão. Redireciona-nos para a real natureza do conhecimento médico-científico, a natureza probabilística. Coloca o paciente como corresponsável pela tomada de decisão e clarifica a real proposta da medicina curativa: oferecer tratamentos e não propriamente a cura.

No caso específico desse ensaio, as ferramentas de transparência e tomada de decisão para escolha do cirurgião e do hospital, ajudarão a combater o charlatanismo e a propaganda enganosa. Adicionalmente, médicos de unidade básica poderão direcionar seus pacientes a cirurgiões e hospitais mais próximos de suas residências com base em evidência de qualidade.  É o nosso futuro e é bom que assim seja! Bom para nós médicos, cirurgiões e pacientes. Bom para o sistema como um todo.



Referências:

Ziemba JB et al. Consumer Preferences and Online Comparison Tools
Used to Select a Surgeon – Research Letter. JAMA Surgery. Published online January 4, 2017

Aggarwal A, et al. Determinants of Patient Mobility for Prostate Cancer Surgery: A Populationbased Study of Choice and Competition. Eur Urol (2017), http://dx.doi.org/10.1016/j.eururo.2017.07.013


National Prostate Cancer Audit - https://www.npca.org.uk/

The British Association of Urological Surgeons – Radical Prostatectomy - https://www.baus.org.uk/patients/surgical_outcomes/radical_prostatectomy/default.aspx

domingo, 27 de maio de 2018

Câncer de Próstata, Linfadenectomia e o Fenômeno de Will Rogers

Calling Bullshit - The Will Rogers Effect.
Curso de Primavera sobre Vies Cognitivo aplicado a Big Data
Washington University, EUA entre 2017-2018.

Will Rogers (1879 - 1935) foi um humorista e colunista americano da cidade de Oklahoma. Em um de seus ensaios, ele escreveu a seguinte frase:

When the Okies left Oklahoma and moved to California, they raised the average intelligence level in both states.”

Para Rogers, seus conterrâneos eram muito mais inteligentes que seus patriotas do litoral oeste, e apenas os menos inteligentes mudavam para fora da cidade procurando morar perto da praia. Essa migração resultava em um interessante efeito: a média de inteligência aumentava no estado de Oklahoma e também aumentava na Califórnia.

Utilizando o R, criei duas amostras aleatórias de n=100 com distribuição normal de médias 120 para o QI da população de Oklahoma e 95 para a Californiana. Considerei desvio-padrão de 20 para ambas. Os dados são fictícios (claro! J).

Vamos à figura:



O primeiro histograma representa a distribuição dos QIs da amostra de pessoas da Califórnia e o segundo de Oklahoma. A linha “a” está marcando a média da Califórnia e a “b” a média de Oklahoma.

Observar que o QI médio de Oklahoma está acima do da Califórnia. A seta grande escura mostra o movimento migratório de pessoas abaixo da média de QI (em Oklahoma) para Califórnia. Essas pessoas, na verdade, estão acima da média da Califórnia.

Como resultado, o movimento de saída de elementos à esquerda (abaixo) da média de um conjunto, elevará essa média. E a entrada de elementos à direita (acima) da média acabará também por elevar a média do outro conjunto.

Esse é um fenômeno estatístico bastante comum no meio médico, onde utilizamos pontos-de-corte variáveis (e mutáveis com o tempo) quando classificamos as doenças.

Para quem ainda não pegou a ideia, vou representa-la com um conjunto numérico menor e um pouco extremo.

A= {2, 3, 5, 6, 70}, Média= 17,2

B= {1800, 1900, 2000, 2010}, Média= 1927,5

O elemento 1800 está abaixo da média em B, mas está acima da média do conjunto A. Vejamos o que acontece quando o elemento 1800 de B migra para A.

A= {2, 3, 5, 6, 70, 1800}, Média= 314,33

B= {1900, 2000, 2010}, Média= 1970

A média aritmética de ambos os conjuntos aumenta. Este é o fenômeno de Will Rogers! Não sei se Rogers tinha consciência do substrato matemático por trás de sua frase, mas o fenômeno ganhou seu nome entre os estatísticos.

Para que o fenômeno de Will Rogers seja possível, duas condições devem ser aceitas simultaneamente:
- O elemento migratório deve estar abaixo da média do conjunto de origem;
- O elemento migratório deve estar acima da média do conjunto de destino;

Em outras palavras, o elemento migratório deve estar entre as médias, abaixo da média do conjunto de origem e acima da média do conjunto de destino. Isso implica dizer que a média do conjunto de origem deve ser maior que a média do conjunto de destino.

E a linfadenectomia?... 👀

Atualmente, um dos temas mais quentes da uro-oncologia é se a linfadenectomia durante a prostatectomia radical para tratamento curativo do câncer de risco intermediário ou alto melhora os resultados de mortalidade.

Via de regra, temos 4 possibilidades de condução nodal durante a realização da prostatectomia radical:

- Não realizar linfadenectomia
- Realizar linfadenectomia limitada (apenas obturatória)
- Realizar linfadenectomia padrão (obturatória e ilíaca externa)
- Ou realizar linfadenectomia estendida (obturatória, ilíacas externa, interna e comum e pré-sacral).

A revisão sistemática mais extensa e atual que temos a respeito é a de Fossati et al., 2017. Foram 66 estudos somando 275.269 pacientes, incluindo 3 RCTs (1 com relato de desfechos oncológicos). Em 26 páginas, os autores não evidenciaram benefício oncológico ou funcional decorrentes da linfadenectomia (qualquer extensão) versus não fazer.

Esse resultado vai de encontro a outra revisão sistemática (Choo et al., 2017) de 7 estudos retrospectivos que demonstrou redução de 30% no Hazard para falha bioquímica em benefício aos pacientes que realizaram linfadenectomia estendida.

Analisando separadamente os trabalhos disponíveis na literatura, os retrospectivos mostram tendência de benefício da linfadenectomia associada à sua extensão. Ou seja, quanto mais linfonodos se retira, maior a probabilidade de benefício na sobrevida livre de recorrência.

Abdollah et al., em 2014, publicaram  excelente coorte comparativa, originada de dados de pacientes de riscos intermediário e alto operados no Hospital San Raffaele de Milão. Os autores concluíram que ressecar 14 linfonodos ou mais reduz significativamente a mortalidade por câncer depois de 20-30 meses de seguimento, independentemente dos linfonodos serem positivos ou negativos. Entretanto, a presença de mais de 2 linfonodos positivos foi preditor independente de mal prognóstico.

Esse é um estudo chave sobre a linfadenectomia estendida. O ponto de corte de 14 linfonodos hoje é admitido como critério de acurácia no estadiamento nodal.

Outras séries publicadas (CaPSURE, Cleveland Clinic, Suíça e SEER) mostraram resultados heterogêneos.

Berglund et al., 2007 com dados do CaPSURE não evidenciaram benefício da linfadenectomia limitada em comparação à não-linfadenectomia no desfecho de falha bioquímica em 5 anos.

Weight et al., 2008 publicaram dados da Cleveland Clinic não evidenciando efeito da linfadenectomia na sobrevida livre de recorrência. Porém os pacientes eram de baixo risco.

O estudo de Joslyn et al., 2006 (dados do SEER) mostrou correlação positiva entre número de linfonodos retirados e sobrevida livre de recorrência clínica. E Yuh et al., 2015 demonstraram que a linfadenectomia estendida melhora o desfecho de sobrevida livre de recorrência bioquímica em pacientes de risco intermediário.

É interessante notar que nenhum desses estudos pode descartar com confiança vieses de seleção decorrentes do fenômeno de Will Rogers.

O raciocínio é direto: quanto mais linfonodos retiramos, melhor estratificamos o risco dos pacientes e melhor identificamos os grupos com melhores e piores prognósticos.

Sabemos que se o paciente tem linfonodo positivo seu risco de falha terapêutica e recorrência tumoral estará aumentado (lembrar dos estudos de Messing, 1999, 2006; Touijier, 2014, 2017; Abdollah 2014, 2018; entre outros). Daí, ao estender a linfadenectomia, ampliamos o número de linfonodos retirados e aumentamos nossa acurácia em identificar pacientes verdadeiramente N-, "N poucos+" e "N muitos+".

A ilustração a seguir ajuda a entender:

Teremos três populações pós-tratamento: a azul de pacientes nodos negativos na peça cirúrgica (pN-), a amarela com poucos nodos positivos (pN poucos+) e a vermelha com muitos nodos positivos (pN muitos+).



Historicamente, os pacientes pN- apresentam melhores resultados de sobrevida quando comparados aos demais grupos. A linfadenectomia limitada (ou padrão) foi realizada ao longo dos anos como gold-standard of care. Como a extensão dos nodos retirados era limitada, é bem possível que muitos pacientes N+ tenham sido classificados erroneamente como N-, simplesmente por não terem seus linfonodos positivos retirados durante a cirurgia.

O que acontece com a linfadenectomia estendida é que estamos melhorando nossa ferramenta classificatória. Ao retirar mais linfonodos, aumentamos a acurácia diagnóstica e selecionamos melhor os pacientes em cada grupo.

Assim, ao terem mais linfonodos retirados, pacientes semelhantes ao grupo histórico azul, que outrora seriam classificados como pN-, teriam mais probabilidade de serem reestadiados para os grupos amarelo ou vermelho (conforme o movimento das setas 1 e 2).

É provável que indivíduos com sobrevida abaixo da média em cada grupo tenham maior probabilidade de serem verdadeiramente N+, mas não diagnosticados pela linfadenectomia padrão. Com a linfadenectomia estendida, temos uma maior amostragem nodal e, consequentemente, maior confiabilidade em dizer se esse paciente é verdadeiramente N+ ou N- e qual sua densidade nodal positiva.

Portanto, o efeito da linfadenectomia estendida seria o de promover uma verdadeira migração de sujeitos de menor densidade nodal positiva (ou seja, de menor risco, outrora classificados como pN- devido a inacurácia diagnóstica) para os grupos históricos de maior risco, diluindo o risco desses últimos e “purificando” a amostra do grupo pN-, o que levaria a impressão de aumentando da sobrevida média de ambos, origem e destino (seta 1).

Isso é bem ilustrado pelo estudo de Joslyn et al., 2006 com dados do SEER. A análise retrospectiva mostrou que pacientes que tiveram 10 ou mais linfonodos negativos removidos tiveram maior sobrevida livre de recorrência. Na verdade, a remoção de muitos linfonodos negativos serviu como ferramenta de alta acurácia seletiva de um grupo de melhor prognóstico.

Em relação ao número de nodos positivos, o raciocínio é o mesmo. Maior extensão da linfadenectomia aumenta a chance de retirar mais linfonodo positivo levando a uma migração de pacientes de grupos historicamente de melhor prognóstico para grupos de pior prognóstico (seta 2).

O efeito se torna ainda pior se considerarmos que no estadiamento TNM do câncer de próstata, só temos dois níveis, N0 e N1, com o N1 correspondendo a qualquer quantidade de N+. Mesmo a mais recente edição do AJCC e UICC publicada no início do ano (8a Edição, 2018) trás uma subcategoria pNmi (micrometástase), mas não faz menção ao número de linfonodos positivos.

Anulando o Fenômeno de Will Rogers

Uma forma de reduzir o viés causado pelo fenômeno de Will Rogers é utilizar a densidade de linfonodos positivos (N+/Total) como variável independente contínua em um modelo de Cox por exemplo. Infelizmente os estudos tem dicotomizado essa variável para definir grupos de maior risco como visto em Abdollah et al., 2014.

A melhor forma de lidar com o viés de seleção promovido por esse fenômeno é (adivinhe... ele mesmo! 😊) o Ensaio Clínico Randomizado (RCT). No RCT, os fatores de confusão são randomicamente distribuídos entre os grupos. Pacientes N-, poucos N+ e muitos N+ serão semelhantemente distribuídos entre os grupos antes do tratamento, ainda na baseline no início do estudo. A única característica distinta entre os grupos seria o próprio tratamento, ou seja, a extensão da linfadenectomia. Qualquer diferença na sobrevida seria então em decorrência dessa característica.

O único estudo randomizado disponível com resultados oncológicos de 1 ano é o de Lestingi et al., 2015 conduzido em São Paulo com fundos da FAPESP. Esse estudo falhou em demonstrar ganho de sobrevida livre de recorrência bioquímica após linfadenectomia estendida versus limitada. Entretando, o seguimento é de apenas 1 ano e o estudo ainda está em andamento. Lembrar que, de acordo com os dados retrospectivos, seriam necessários de 20-30 meses para observarmos diferença entre os grupos. J

Em 2014, um grupo chinês publicou um estudo prospectivo com resultado favorável à linfadenectomia. Pouco tempo depois esse estudo foi removido da literatura pela Elsevier por terem descoberto que o autor principal falsificara parte dos dados.

Muito ainda se tem a esperar da linfadenectomia. O que sabemos atualmente é que ela é uma ótima ferramenta estadiadora com grande utilidade para selecionar pacientes para tratamentos complementares como hormonio-terapia e radioterapia, mas, até o momento, carece da demonstração de efeito benéfico intrínseco. Podemos dizer que a linfadenectomia estendida teria então um benefício indireto na sobrevida ao otimizar o estadiamento nodal e consequentemente auxiliar na indicação de terapias complementares que, comprovadamente, melhoram os desfechos.


Referências:

Lestingi, et al. Extended Vs Limited Pelvic Lymphadenectomy During Radical Prostatectomy For Intermediate And High risk Prostate Cancer: A Prospective Randomized Trial. The Journal Of Urology. Vol. 193, No. 4s, Supplement, Monday, May 18, 2015. Abstract em https://www.jurology.com/article/S0022-5347(15)02876-1/pdf

Choo MS, et al. Extended versus Standard Pelvic Lymph Node Dissection in Radical Prostatectomy on Oncological and Functional Outcomes: A Systematic Review and Meta-Analysis. Ann Surg Oncol. 2017 Jul;24(7):2047-2054. doi: 10.1245/s10434-017-5822-6.

Fossati N, et al. The Benefits and Harms of Different Extents of Lymph Node Dissection During Radical Prostatectomy for Prostate Cancer: A Systematic Review. Eur Urol. 2017 Jul;72(1):84-109. doi: 10.1016/j.eururo.2016.12.003

Abdollah F, et al. More Extensive Pelvic Lymph Node Dissection Improves Survival in Patients with Node-positive Prostate Cancer. EUROPEAN UROLOGY 6 7 (2 01 5 ) 2 1 2 – 2 1 9. http://dx.doi.org/10.1016/j.eururo.2014.05.011

Berglund RK, et al. Limited Pelvic Lymph Node Dissection at the Time of Radical Prostatectomy Does Not Affect 5-Year Failure Rates for Low, Intermediate and High Risk Prostate Cancer: Results From CaPSURE. THE JOURNAL OF UROLOGY. Vol. 177, 526-530, February 2007. DOI:10.1016/j.juro.2006.09.053

Joslyn Sa, Et Al. Impact Of Extent Of Lymphadenectomy On Survival After Radical Prostatectomy For Prostate Cancer. Urology 68: 121–125, 2006. Doi:10.1016/J.Urology.2006.01.055

Weight Cj, Et Al. Limited Pelvic Lymph Node Dissection Does Not Improve Biochemical Relapse-Free Survival At 10 Years After Radical Prostatectomy In Patients With Low-Risk Prostate Cancer. Urology 71: 141–145, 2008. Doi:10.1016/J.Urology.2007.08.027

Yuh B, Et Al. Reduction In Early Biochemical Recurrence Intermediate Risk Patients Undergoing Robotassisted Extended Pelvic Lymphadenectomy For Prostate Cancer. The Journal Of Urology. Vol. 193, No. 4s, Supplement, Tuesday, May 19, 2015.